terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Potosí - 1

      Vamos a Cerro Rico. Seis argentinos, uma italiana e cinco brasileiros; este é o grupo que fará o mórbido tour das Minas. O micro-ônibus estaciona em frente à agência de turismo, e, uma vez carregado, percorre o centro do Potosí até a região periférica da cidade, onde estão concentrados os mercados dos mineiros. Folhas de coca, refrigerantes e cilindros de dinamite são os produtos típicos; qualquer um pode comprá-los. Aos turistas, entretanto, é uma obrigação: para descender às vísceras da montanha, devem levar regalos aos que nela trabalham.
      É o que diz o motorista da empresa de turismo. O senhor calvo, de parcas madeixas parcialmente grisalhas e um tanto gordo, nos conta, com razão, que esta espécie de pedágio é uma compensação pelos transtornos que o turismo mórbido produz aos já fadigados mineiros. Não parece interessado em conversar sobre o tema. Afinal, em alguns dias, o Flamengo virá a Potosí. “Ronaldiño, muy bueno”. Pergunto-lhe sobre o número atual de trabalhadores em Cerro Rico; aproximadamente vinte mil, me responde. Em face a meu olhar incrédulo, complementa: há gente de seis a quarenta anos de idade. Gostaria de dizer que em Cerro Rico trabalham apenas homens, mas uma criança de seis anos de idade ainda é, apesar de tudo, uma criança.
Fora um ex-mineiro. Conta-me que não é possível trabalhar por mais de vinte anos em Cerro Rico. Os poucos que tentam alongar esta média acabam mortos ou gravemente sequelados. Os que desistem da mineração acabam condenados a sub-empregos, à prestação de serviços ou até mesmo à imigração. “Por eso soy conductor”.
      Seu tom, de desinteressado, passa a reflexivo. Seu pai fora mineiro. Morreu aos quarenta e cinco anos de idade, após duas décadas de mineração. Quase seguira o mesmo destino; hoje sobrevive como motorista, chauffer, de uma empresa turística. Sobrevive transportando visitantes ao decadente Cerro Rico, algoz de centenas de milhares de homens, de trabalhadores, de índios, mestiços, crianças e adultos; ganha a vida dirigindo pessoas ao túmulo de seu pai. Pois em Potosí, como em quase toda a Bolívia, ter uma vida digna é privilégio mais raro que a prata. Por eso soy conductor

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